Romance, drama, comédia e comunismo - fila de banco
- Augusto Casoni
- 24 de jan. de 2021
- 5 min de leitura
Independentemente de seu posicionamento político tenho certeza, caro leitor, que o senhor tem alguma opinião sobre a obrigatoriedade do voto em nosso país. Também independentemente de qual ele seja, o fato é que o voto é obrigatório e, ao não cumprirmos com nossa obrigação cidadã, somos levados a responder pelas gravíssimas consequências, que, no caso, trata-se de uma multa de três reais e cinquenta e um centavos paga à União. Porém, engana-se quem acredita ser branda a consequência, visto que a única maneira de pagar a multa é no Banco do Brasil.
Aos clientes usuais desse banco, sem drama! O século XXI apresenta inúmeras soluções de pagamento e com breves cliques o problema estará resolvido! No entanto, aos não clientes, não há outra escolha que não o pagamento presencial – no banco – da multa. E assim começa nossa aventura por uma das figuras mais citadas e odiadas do cotidiano brasileiro: a fila do banco.
Ciente que passaria por tamanha provação de minha paciência, fui de peito aberto cumprir minha obrigação patriótica - não esperava agilidade, muito menos conforto, no entanto também não esperava me divertir tanto quanto me diverti.
A instituição conhecida como “fila” é um lugar fascinante! Não raro os senhores já devem ter ouvido a expressão “o brasileiro gosta de fila” e eu estou aqui justamente para defendê-la! Ninguém a faz tão bem quanto nós e ninguém sabe aproveitá-la como sabemos! Ah os personagens da fila!
Em primeiro lugar gostaria de frisar a importância do papel da fila nos rumos dos sistemas econômicos e sociais, principalmente da América Latina - uma região do mundo que vive em constante crise democrática e institucional. Não há lugar melhor para realizar o trabalho de base (tão falado pela esquerda) do que na fila de um banco! Afinal, está ali, estampado na cara e no humor de todo aquele conglomerado de seres humanos, a maior ameaça que pode haver ao capitalismo: a completa insatisfação e revolta contra instituições financeiras! Se o objetivo é construir um diálogo com o brasileiro médio para alicerçar a base de pensamento que questionará o sistema em que vivemos, indico ao ativista mais disposto que, de agora em diante, passe a fazer mutirões pelas filas de banco ao redor do país - evitando o twitter - e ao primeiro “que demora!” que ouvir já emende com: “sabe como o senhor não passaria por essa espera? Se não houvesse bancos...”. Não sei o potencial desta proposta a longo prazo e em larga escala, mas dependendo da insatisfação da fila, não duvido que vingaremos todo o preconceito e desigualdade que este sistema fomenta mundialmente com, no mínimo, algumas vidraças quebradas do banco local!
Mas, passada a proposta revolucionária do texto, voltemos aos personagens. De tudo se encontra na fila. Existem os revoltados com o banco (comunistas em potencial), o palhaço da turma, o jovem gamer de celular, o possível casal que se encontrou justo ali, os homens de família preocupados com o horário, os idosos acostumados com aquele sistema, os idosos acostumados, porém revoltados, com aquele sistema... se vê de tudo e é visitando toda essa gama de figuras que reafirmo que ninguém “fila” como nós “filamos”.
Citando minha experiência, me diverti muito com o “palhaço da turma” que, como a maioria dos bons comediantes, mostrou um lado sensibilíssimo para o drama também. O palhaço é aquele que se destaca. Também não gosta de estar ali e preferia não ter que perder tanto tempo, mas resolve aceitar a situação sem medo de rir de si mesmo e, quem sabe, conseguir arrancar algumas risadas de seus companheiros. Um verdadeiro altruísta, eu diria.
Este senhor, durante o tempo em que estávamos em pé fora do banco, por inúmeras vezes levantou a voz com comentários inusitados e revoltados com a demora (como um verdadeiro aluno de quinta série faria em uma viagem escolar dentro de um ônibus) muito engraçados para o momento. Exemplifico com o momento em que ele estava quase em último na fila, quando grita “SOLTA O TREM” e também quando, ao chegar perto da porta (onde esperou por, no mínimo, mais meia hora) exclamou um “UFA”. Veja que o humor em filas de banco não é o dos mais sofisticados em construção ou punch line mas, caro leitor, estamos em uma fila de banco - ninguém ali é muito exigente!
Quanto ao lado dramático, fui comovido por este senhor no momento em que ele questionou ao léu, após a segunda pessoa passar e pedir esmola à fila (aliás uma bela estratégia para pedintes): “cadê o governo? Cadê o (sic) centro de saúde humano?”. Uma fortíssima construção de instituição imaginária. Saímos todos de lá, no mínimo, mais pensativos.
Outras interessantes personagens: o possível casal. Ah, o amor! Eram dois adolescentes, ou recém jovens. A moça estava atrás de mim na fila, o rapaz passou pela frente do banco justamente nesse momento.
“Olá fulana! O que tá fazendo aí?”
“Oi ciclano! Tudo bem? Vim pagar um negócio...”
A conversa segue normalmente como se interesse romântico não houvesse, até que após uma pausa um tanto quanto desajeitada - típica de momentos em que os mocinhos de filmes de comédia romântica fazem para tomar coragem e declarar seus sentimentos à mocinha - nosso bravo herói questiona: “Cê tá saindo? (importante aqui lembrar que ainda vivemos em contexto pandêmico)”, claramente demonstrando interesse!
O leitor pode reclamar do fato que a conversa não passava de um bate papo normal entre dois amigos, no entanto, com todo respeito, o leitor não estava lá! Não sentiu o nervosismo da fala, a ansiedade dos gestos, ah o amor! Ah o amor em filas de banco!
Por fim, talvez o meu favorito: “os idosos acostumados, porém revoltados, com aquele sistema”. No caso, falamos de uma senhorinha. Depois de ter esperado alguns bons minutos na fila preferencial, estava às vésperas de ser chamada para dentro do banco, muito próxima a porta e um pouco à minha frente, que assistia a tudo da outra fila. No entanto, como já lembrado, estamos em uma pandemia, e, neste momento, a funcionária do banco responsável pela organização da fila resolve botar em prática o distanciamento social. Recomenda a todos que se mantenham mais distantes, fazendo questão também de explicar, a cada um, que ninguém perderá sua posição. Todos estão na mesma colocação, no entanto, mais distanciados e, portanto, nossa simpática senhorinha está mais longe da porta.
Ao se deparar com sua nova posição, após a funcionária voltar pra dentro do banco, a simpática senhora demonstra uma feição confusa e indignada. Após uns trinta segundos olhando em volta e entendendo seu novo posicionamento exclama: “Caramba! Agora eu voltei pra onde eu tava!”. E o distanciamento proposto não dura mais que três minutos até que todos se aglomerem e se apertem novamente. Mas claro, muito mais próximos à porta!
Que manhã divertida caro leitor! Passei umas boas duas horas na fila. Ah, a multa? Devo ter demorado uns dois minutos para pagá-la depois de entrar no banco. Estou pensando seriamente em não votar na próxima eleição, pelo menos teria, talvez, uma boa desculpa.
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