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O espetáculo do corriqueiro - Diogo Defante é arte

  • Foto do escritor: Augusto Casoni
    Augusto Casoni
  • 7 de fev.
  • 4 min de leitura

Vendo um vídeo do Diogo Defante esta noite, algo me cutucou; me estranhou a espetacularização do corriqueiro. É um momento esquisito para nós enquanto sociedade, convenhamos. E usar “esquisito” é óbvio eufemismo. Estamos cada vez mais sozinhos, mais isolados, e fazendo escolhas que privilegiam esse estilo de vida. Chegamos a um ponto em que o distanciamento das interações entre desconhecidos é tamanho que nos fascina observá-las acontecendo através de um vídeo de youtube - como se estivéssemos assistindo a uma propaganda da realidade.

No vídeo, Diogo sai pela praia do Leme, no Rio de Janeiro, interagindo com o mais variado tipo de estranhos e das maneiras mais variadas e estranhas também. Mas, a grosso modo, como podemos chamar o que acontece senão disso: mera interação. Vá lá, há certo talento, tato para encontrar os tipos mais curiosos, timming de humor, o mesmo na edição; mas é apenas um homem caminhando pela praia e falando com pessoas. E antes que me acusem de menosprezar o talento de um bom comediante, Defante não é o único que faz isso, e faz bem, claro. Outro exemplo que me ocorre rápido é o de Samantha Alves, conterrânea dele com talento muito similar, tanto no tato e conhecimento do lugar que frequenta, quanto no timming de humor e de edição.

Por mais verdadeiros e comprováveis que sejam os talentos dos humoristas, é difícil negar que o sucesso também não passe pelo formato: interações improvisadas com estranhos. Eu daria outro nome pra ele: bate-papo, jogar conversa fora, ou somente interagir, compartilhar um pouco da própria existência com o outro. Daí surge a dúvida: por qual motivo elevamos esse aspecto de nossas vidas a um grau de encantamento?  E minha defesa é que o cunho artístico destas produções está essencialmente aqui: no formato.

Para além do fenômeno observável de que tudo na sociedade neoliberal se transforma em produto (todo profissional tem um perfil especializado no instagram, toda a ideia de projeto ou empresa tem um perfil de rede social, muitas interações são registradas afim de serem monetizadas pelo capital do marketing de influência), eu destacaria um aspecto muito específico das interações humanas - há algo de invasivo nelas. E talvez, hoje em dia, haja mais do que nunca. Não é raro encontrar a opinião de que receber uma ligação no celular já seria algo truculento, agressivo, que merece rejeição. “Não, quando me ligam eu nem atendo. Tá doido? Quer falar comigo me manda mensagem, se me ligarem vou achar que alguém morreu.” Transpondo ligação para uma interação em carne e osso, é de se imaginar o quão pior seria a sensação; quase como se uma agressão ocorresse. E quão pouco dispostos estamos ultimamente a aceitar qualquer tipo de violência. O problema é que não estou certo de que isso seja algo bom, pelo contrário, vejo isso consternado.

Acho que algo não pode escapar do nosso horizonte enquanto sujeitos, enquanto seres humanos: a violência é parte inseparável de nossa existência. Não postulo que sejamos seres “violentos por natureza”, “o homem é o lobo de homem”, até porque a humanidade só prosperou quando decidiu se unir e cooperar, viver em sociedade - a solução de muitos problemas e a causa de muitos outros. Mas é que, para viver em sociedade, precisamos fazer concessões. Sem querer invadir o campo das ciências sociais, me limito à mera interação com o outro: para se relacionar, é preciso fazer concessões. Todo e qualquer tipo de relação exige isso, ainda que sejam interações com estranhos. E nem todas elas são pacíficas, há algo de truculento em muitas. Acho que até nas pacíficas.

Não me atrevo a exemplos grosseiros, relações violentas entre amigos ou casais, nem nada do gênero. Para interpelar alguém na rua, para pedir informação, por exemplo, é preciso interromper a pessoa. Às vezes encostar, no mínimo paralisar o movimento, pedir para ser olhado, escutado, pedir licença, pedir desculpas. Para dar bom dia, é preciso olhar nos olhos, levantar a voz, interromper alguma outra escuta de fones de ouvido, interromper pensamentos. São microviolências? São, mas ainda são invasivas. Os tímidos saberão dizer quão caras elas custam! É o outro se apresentando a nós, se colocando, se interpondo na nossa frente; no meio do nosso caminho, uma pedra. Os vídeos dos youtubers, e seu sucesso, me trazem a sensação de que olhamos para as interações cotidianas com a fascinação de quem vai a um museu ver algumas peças de cerâmica de uma tribo milenar. Nos desacostumamos com as interpelações. Somos intolerantes, cada vez mais, com essas microviolências. Como se fosse possível estabelecer qualquer tipo de vínculo sem elas.

Afinal, os vídeos me parecem realmente arte, já que ela, em suas mais variadas formas, é capaz de capturar algo do real que sempre se desmancha quando estamos apenas vivendo. Algo que sempre está aí, disponível, palatável, mas, ainda assim, nos escapa. É como se ela colocasse o plano da realidade em suspensão, parasse o tempo diante da gente e nos dissesse: “ei, olha aqui, olha pra essa coisa aqui”, e então, nós respondêssemos: “tá, tô olhando, e agora?”, e sua única resposta fosse um silêncio.


 
 
 

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©2020 por Fundamentos Vazios de uma Mente em Construção é uma criação de Augusto Casoni Quinellato.

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