Porque perdemos: “redenção de jogador de futebol é bola na rede”.
- Augusto Casoni
- 10 de dez. de 2022
- 6 min de leitura
É com a notícia de que o avião da seleção brasileira está saindo do Catar e indo em direção a LONDRES que eu começo este texto.
Acredito que muitas coisas na vida podem nos dar prazer, mas o prazer que eu sinto quando estou com raiva é algo especial. Acho que deveríamos valorizar mais a raiva, é muito subestimada como sentimento humano. Convido ao leitor que, no próximo momento em que sinta-se na iminência de sentir raiva, não procure se acalmar ou evitar o sentimento. Abrace-o, apodere-se dele, seja-o.
É buscando aproveitar minha raiva que estou escrevendo logo depois da derrota da Seleção Brasileira nas quartas-de-final da Copa do Mundo do Catar para a seleção da CROÁCIA. A derrota foi ontem, a menos de 24 horas.
Ser brasileiro e falar sobre futebol é muito fácil. Somos pentacampeões mundiais, já fomos o país com mais craques em atividade, talvez sejamos o que tem mais craques já aposentados, e já fomos considerados “o país do futebol”. Não sei se ainda é um termo cabível.
No entanto, ser brasileiro e falar sobre tudo que envolve o futebol além do esporte, não é nada fácil. A CBF é uma instituição extremamente poderosa e com uma potencialidade fantástica de ser motivo de vergonha e práticas pouquíssimo transparentes e confiáveis. Todos estes adjetivos e muitos outros mais são passíveis de transferência à FIFA. Falo sobre isso pois é impossível escrever sobre a Copa do Mundo sem mencionar a absurda escolha do Catar como país sede.
Um país minúsculo, quase uma cidade-Estado, cujas temperaturas são tão elevadas que foi preciso mudar o período de realização do evento para o final do ano. Não bastasse a falta de sentido logístico para a escolha, as obras para realizar a copa ficaram marcadas pelas constantes mortes de trabalhadores com um regime de trabalho sofrível. Foram milhares de mortes. É muito difícil não acreditar que os milionários que comandam essas instituições não ficaram ainda mais milionários depois de escolherem a sede do evento. E muito provavelmente estes outros milhões não foram ganhos com consideração a algum tipo de moral.
Outro ponto delicadíssimo em que precisamos tocar quando falamos de futebol e o que o circunda são os jogadores. E esta é a tecla na qual vou bater quando falar especificamente sobre a derrota. Adultos, também milionários, muitas vezes infantilizados, mal-acessorados e com pouco ou já nenhum contato com nosso país, fora as poucas exceções de jogadores que vivem aqui.
Antes de falar da tragédia em si, acho que, especialmente nessa copa, precisamos falar sobre mais uma das coisas que circundam o esporte mais popular do mundo: a torcida. Uma copa, geralmente, não é um evento muito acessível. A maior competição esportiva do planeta gera extremo engajamento e fascínio, o que resulta em lotação absoluta de todos os jogos e, por consequência da maneira como vivemos, no acesso de poucos privilegiados monetariamente aos estádios.
Acho que as pessoas devem fazer uso do patrimônio que conquistaram (apesar do mérito muitas vezes ser duvidável) sem qualquer espécie de restrição ou censura, no entanto, acho que pagamos um preço salgado demais em ter uma torcida formada pelo alto empresariado brasileiro. Numa espécie de “movimento”, essas pessoas privilegiadas simularam algo (que deveria ser) parecido com uma torcida organizada: uniformizaram-se, fizeram bandeiras, inventaram cantos. Que coisa vergonhosa e broxante! Chega a ser ridículo ver como essas pessoas enxergam o que é torcer. Num sintoma gritante da falta de conhecimento da realidade de um estádio, “fantasiaram-se” de torcedores e divertiram-se com a brincadeira. Lembrou-me muito o caso não tão antigo (e que deve continuar acontecendo, provavelmente) de estudantes de escolas particulares que no dia do trote de tema “e se nada der certo” fantasiaram-se de garis, frentistas e outras profissões estigmatizadas. Verdadeiramente ridículo.
E que bela palavra para entrarmos, finalmente, no tema da tragédia em si. Ridículo! Como foi ridícula a exibição da seleção brasileira ontem. Dentro de campo, nosso maior vexame, sem dúvida, será o 7 a 1. Mas a “era Tite” deixa para nós duas eliminações nas quartas de copa do mundo contra seleções de nível médio, piores que nós. Achei muito correto e sóbrio um comentário no twitter que criticava o quanto estampamos com excesso o “peso da camisa” e nos esquecemos de pensar o futebol como um projeto a longo prazo, mas acho que não dá pra deixar a tradição de lado nesse caso: não existe uma seleção pentacampeã do mundo perder pra Croácia.
Comecei a perceber o começo de um futuro vexame já no hino. Que emoção mais pequena, uma comoção falsa, sem cabimento. Casemiro e Tiago Silva, principalmente, cantando o hino com os olhinhos fechados. Como se estivessem prestes a servir o exército em uma guerra da qual sabem que não voltarão. Um excesso completamente descabido para o que significa ouvir o hino antes de jogar uma quartas-de-final. QUARTAS-DE-FINAL, veja bem! Se fosse numa semi contra uma Argentina, um Portugal. Uma quartas-de-final contra a CROÁCIA e nosso volante e nosso zagueiro COMOVIDÍSSIMOS com o hino nacional.
Estou destacando esse momento com tamanha veemência e letras maiúsculas porque acho que esse é um fator essencial pra recuperarmos a seleção brasileira: essa falsa noção de identidade que esses chutadores de bola têm com o Brasil precisa acabar ou precisar ser reconstruída como uma identidade verdadeira.
Recentemente Kaká deu declarações totalmente lamentáveis em relação ao torcedor brasileiro. Como se fosse a Chiquinha defendendo seu pai das ofensas de Dona Florinda, saiu em defesa dos jogadores que têm pouco prestígio atualmente ofendendo o Ronaldo. “As pessoas não valorizam seus ídolos. O Ronaldo é visto só como um gordo quando anda na rua”.
QUE CONSTRANGIMENTO! Que coisa mais ridícula. Eu me pergunto, há quantos anos o Kaká não pisa no Brasil? E o Casemiro? E o Marquinhos? Ainda que pisem, têm alguma conexão com as terras daqui? Conseguem entender como é importante pra um trabalhador assistir a uma partida de futebol após um dia de trabalho duro e alienante? Conseguem entender quão cara é uma camisa da seleção, que muitos compram? Conseguem entender o quanto esse povo sofreu nessa pandemia? Perderam parentes, perderam saúde, empregos, pessoas, pelo amor de deus! É claro que não conseguem. E a escolha política de muitos ali comprovam isso que estou alegando.
E podem até ter noção de tudo isso. Mas jogar na seleção, aparentemente cobre em todos eles essa lacuna do que é ser cidadão, não é mesmo? Afinal eles ficam extremamente emocionados AO ESCUTAR O HINO NACIONAL NUMA QUARTAS-DE-FINAL CONTRA A CROÁCIA. “TÁ TUDO PERDOADO, ESTOU SERVINDO MEU PAÍS”.
E a emoção se reflete no jogo. Claramente nervosos, Paquetá não acertou um passe, Casemiro se tivesse saído aos 10 minutos pra ir no banheiro ninguém teria notado, Alisson só conseguiu fazer defesa em copas do mundo em um jogo que já estava ganho por 4 a 0. O QUE O RAPHINHA ESTAVA FAZENDO EM CAMPO PELO AMOR DE DEUS?
Sobre os pênaltis, também acho que o melhor cobrador deve bater primeiro, outra coisa que não tem cabimento é termos na equipe o melhor cobrador de pênaltis do mundo atualmente e ele nem chegar a bater. Mas eu não critico a escolha de deixa-lo por último, também acho que é uma cobrança dificílima e joga a pressão para o adversário.
Nós perdemos esse jogo tomando aquele gol. Não existe tomar um gol numa prorrogação de copa do mundo faltando 4 minutos pro jogo acabar. Ainda que estivéssemos sendo pressionados, mas nem isso! Estava tudo completamente sob controle. Estou escrevendo durante Marrocos e Portugal, faltam 8 minutos pra acabar a partida, Marrocos tem um homem a menos e tenho certeza que não tomará um gol.
Porque sabem a importância da competição! Sabem o que significa uma copa do mundo pra um país não-europeu, sabem que todo um povo se reflete e se identifica nos atletas que admiram. E sabem isso porque sentem verdadeiramente isso. Não colocarão SETE jogadores no campo de ataque com o placar a favor e tão pouco tempo no relógio.
E muitos ainda se doem quando são criticados! Ou quando percebem que não são tão queridos como imaginavam ser. Como é o caso do Neymar, que após se machucar, viu muita gente comemorando e ficou desgostoso. Um cracasso de bola, grande jogador que PARADOXALMENTE tem contraste com um ser humano baixíssimo, marrento, mal-educado, mimado e patético.
Parafraseando o querido Falha de Cobertura, grande programa da crônica esportiva nacional: “Redenção de jogador de futebol é bola na rede”. Não me venha com textinho, com post em rede social, com defesa de amigo, com pagamento do imposto de renda. Redenção de jogador é gol.
Enquanto não entendermos, eles e nós, de onde viemos e o que somos, estaremos condenados a ser pequenos. Pequenos, fracos e derrotados pela Croácia.
Isso que eu nem falei do Tite...
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