Polar, segunda pessoa e T8 - Porto Alegre
- Augusto Casoni
- 28 de jul. de 2022
- 5 min de leitura
Oi! Vai fazer quase um ano que eu não volto a este “blog”. Pelo registro, minha última publicação foi em agosto do ano passado. Peço humildes desculpas pelo breve hiato, caro leitor (ainda está aí?)! Proponho esse texto como uma reconciliação e uma (falsa?) promessa: vou voltar a escrever. Semanalmente!
A intenção é que você volte aqui toda segunda e uma bobagem nova esteja publicada: crônica, minha opinião sobre o que estou lendo, sobre alguma bobagem da televisão, ou qualquer série ou filme. Esse até era o propósito inicial, mas me perdi pelo caminho.
Essa desorientação, caso eu fosse te engambelar em uma justificativa, atribuiria à pandemia e minha volta pra cidade em que estudo. Aos que não sabem, sou do interior de São Paulo e me intrometi a estudar em Porto Alegre. Pensei em compartilhar com vocês algumas primeiras impressões de três meses por aqui.
Talvez a primeira delas - já uma quebra de expectativa para quem eventualmente esteja esperando um choque massivo entre culturas - seja decepcionante para vocês: eles não falam tão diferente assim! Um pouco mais fanhos, com menos intensidade nos “r”s, assassinando completamente o uso da segunda pessoa no singular, mas não tão diferente assim.
Aliás, esse é um ponto interessante. Talvez muitos puristas - até porque, aqui pelo estado, não são raros os tradicionalistas - advoguem que “o dialeto gaúcho é melhor, ou mais bem falado (a bobagem que for de sua preferência), pois mantém o uso da segunda pessoa - do TU, guri! Bah!” Bobagem! Nada dilacerou mais o uso da segunda pessoa do que o gauchês. É fato que usam a segunda pessoa, mas e a conjugação? Se algum colega do meu curso escutar um “tu foste”, “tu comeste”, é bem capaz que estranhem tanto quanto o que vos escreve - o que escuto é “tu foi”, “tu comeu”. O mais bizarro é assistir propaganda política e ouvir os candidatos dizendo “votA, número X”.
Mas há também o estranhamento do guri aqui, que veio de uma cidade de não mais de 50 mil habitantes, em relação ao que significa morar em uma capital. Quando vou na academia, meu personal não tenta me vender o ingresso da próxima festa eletrônica do final de semana, nem perto disso - o que talvez devesse me fazer sentir grato. A verdade é que, se não dou a sorte da moça que atende de manhã estar na portaria (uma simpatia de pessoa!), preciso vocalizar o melhor “tchau, obrigado” que consigo produzir para ser correspondido. Não sei se estou sendo honesto ao colocar todo esse individualismo na conta de “estar em uma capital”, mas acho que faz muito sentido. Que fique claro que não os estou acusando de antipáticos!
Pegar ônibus! Já tive experiências de pegar ônibus quando morei em Presidente Prudente (outra cidade do interior paulista, mas um pouco maior), no entanto só utilizava uma única linha. Era aparecer o “SHIRAIWA/FURQUIM” que eu levantava o braço e embarcava, só descendo ao lado de onde estudava. Por aqui, existem até cores diferentes para cada região! Pode parecer bobagem pra você, mas para mim isso chega a ser ARTE.
Região norte? Azul. Região sul? Vermelho. Região Leste? Verde (ou amarelo). Região Oeste? NÃO EXISTE. É. Não existe uma região oeste em Porto Alegre. Mas como isso é possível? Não sei, mas é como se eles tomassem o centro - que fica bem na beiradinha do lago Guaíba - como o oeste. Já que, a oeste do centro, só há água. Aliás, acabo de, potencialmente, ter cometido um equívoco terrível ao chamar o Guaíba de lago. Alguns defendem que é rio. Peço desculpas!
Não bastasse o pout-pourri de cores, há o espetáculo de linhas: T8, 343, 353 Jardim Ipe, Jardim Ypu (esses dois são pura sacanagem), entre outros. Ainda não entendi porque alguns começam com “T”, outros são somente números e outros nomes de bairros (?). Inclusive, quantos “Ts” serão? Imaginava que só dez, mas um amigo daqui, ele mesmo não tinha certeza absoluta. Tive sorte de errar de parada poucas vezes até agora. A pior delas foi quando errei a parada no campus central - fui descer na próxima, que era só a uns 2km de distância, na rodoviária. Uma parte “super tranquila e nada violenta e perigosa” da cidade. Deu tudo certo, estou aqui escrevendo para contar, afinal de contas.
Tirando diferenças culturais, dificuldades de assimilação de maneiras diferentes de cordialidade, admirações e medos da imponência da “marcha da modernidade”, existe a jornada de construir relações pessoais.
Não sei se te surpreendo com esta informação, talvez você seja extremamente extrovertido e tenha muita facilidade em se relacionar, mas é bem complicado entrar em contato com pessoas que você nunca viu em toda a sua vida! Até porque, elas também nunca te viram!
A aproximação com outros seres humanos é algo tão especial que às vezes passa desapercebido. Acho que tive muita sorte com minhas amizades até então: somos muito diferentes e por vezes é um esforço mútuo de compreensão, mas temos algumas risadas sinceras. A empolgação de almoços a 1,30 sem dúvida ajuda, mas acho que 1,30 não é o suficiente para comprar este tipo de relação, o que me leva achar que, de alguma forma, funcionamos! Eu adoro muito vocês!
As desilusões e ilusões amorosas seguem as mesmas, apenas agora em sotaque gaúcho.
Quando escolhi o lugar em que ia ficar, uma janela me conquistou! Na verdade não a janela, mas a árvore que está fora dela, bem a sua frente, o que me abre uma brecha pra falar sobre mais um aspecto diferente daqui: as estações. Não sei o tipo (espécie? filo?) dela, mas lhes garanto que é muito bonita. No exato momento em que a conheci, me imaginei escrevendo aqui, olhando seus galhos secos e sem folhas. Sim. Sem folhas. Acho uma diferença crucial em relação à minha cidade o fato de Porto Alegre ter as estações bem definidas. Cheguei ao final do outono, e ela estava linda - as folhas todas caidinhas, marronzinhas. Outono pra mim sempre pareceu coisa de filme. Minha cidade tinha duas estações: calor e algo que pode quase ser frio, mas não chega a isso. Ter um OUTONO bem definido chega a parecer engraçado para mim. Como se você se visse dentro de um filme da sessão da tarde.
A cidade de Porto Alegre, assim como muitas, tem uma música! E com todo respeito a meus novos conterrâneos, mas como eu a achei horrorosa! Tem um aspecto brega, pedante talvez, o que pode ter explicação no fato de ter sido escrita por um advogado e político. Mas também não sejamos cruéis, gostei de um trecho:
Porto Alegre é que tem
Um jeito legal
É lá que as gurias etc. e tal
[...]
Andar pelos bares
Nas noites de abril
Roubar de repente
Um beijo vadio
É uma baladinha com um piano bem questionável. Em alguns momentos, como no trecho em que separei, chega a ter uma intenção boêmia, mas no demais parece só saudosista e até bucólica.
Os porto-alegrenses não têm o costume de serem muito generosos com sua cidade. Já tive uma conversa com um motorista de uber que me perguntou o que conhecia da cidade. Depois de responder “cidade baixa e já fui na orla uma vez”, ele me retornou: “bah, mas já viu tudo, daí”. Não é verdade! Tem muito mais aqui!
Pra mim, especialmente, tem tanta oportunidade de construção de coisas novas, que nem dá ainda pra responder. Muito ônibus pra perder, muitos amigos pra fazer, pra desfazer, pra entender. Muita Polar pra beber. Muito frio pra passar. Muito vinho pra aprender a tomar. Muitas escolhas a se fazer. Muitas delas pra se arrepender, e depois um pouco mais de polar, talvez pra esquecer, ou pra reconsiderar, se conformar. Espero que muitos beijos vadios pra roubar.
Muito ainda que viver! Passaram-se 3 meses. Esse ano ainda tem eleição e copa do mundo.
Vejo vocês na segunda, bem-vindos de volta!
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