O Segredo do Improviso
- Augusto Casoni
- 2 de ago. de 2021
- 3 min de leitura
Não chegou a ser um namoro. Ah! Mas foi tão perto. Ela tinha que ir pros Estados Unidos. Eu não me lembro mais o porquê. Era importante. Ela tinha que estudar. Algum mestrado, algo assim. Era algo sobre identidade de gênero. Muito interessante! Tudo nela me parecia interessante. Era alguns anos mais velha, não muitos, uns 5 ou 6.
Completamente dona de si mesma, quando eu cheguei ela fumava um cigarro. Eu tinha 20 e poucos, talvez 20 e nada. Eu achava cigarros sexys. Eu sei que fazem mal à saúde, o gosto do beijo não é tão bom... nada disso importa. Tentei fumar em algum momento de minha vida. Nunca consegui, e eu juro que tentei. Acho que o Dráuzio Varella está certo e a gente só adquire esse vício quando é criança mesmo.
O bar era perto de casa. Uma caminhada de 10 minutos eu já tava lá. Já tinha ido outras vezes. Mas ela conhecia o dono. O dono, o garçom, os frequentadores. O garçom era seu traficante inclusive – ela me revelou depois de alguns minutos de conversa. Fascinante. Ela era maior que eu. Não apenas de altura, mas em muitos outros sentidos. A gente se beijou numa praça. Saindo do bar e indo pra outro. Eu sempre fico nervoso em primeiros encontros. Não é que eu não confie em mim, muito pelo contrário, confio muito, mas acho que é uma questão de deixar tudo pro improviso. Eu acho que o segredo do improviso é justamente o treino. Ninguém tira algo do nada. Nós, bons de improviso, estamos constantemente treinando em nossa cabeça. Contemplando possíveis caminhos que a conversa vai tomar, coisas que vamos dizer. Depois, na hora, sai tudo diferente, mas acho que esse é o segredo. Estar em constante tensão. Ela me deixava tenso.
Fumamos um cigarro juntos. Eu fiz de conta que fumava. A risada dela era muito gostosa; era farta e alta, prazerosa.
Nosso relacionamento durou umas duas semanas. Ela me levou pra conhecer os amigos em um segundo encontro. Pessoas esquisitíssimas, adorei todos. Era uma terça-feira. A ressaca pra aula de direito civil foi terrível na quarta, não me lembro, mas acho que fui embora da faculdade.
Alguns dias antes dela ir viajar, não sei quanto antes, (mas tinha um bom espaço de tempo ainda, não era nada trágico, um adeus ou algo do tipo) fui a sua casa lhe dar um beijo antes do estágio. O beijo demorou mais de meia hora. Ela disse algo como: “Ai deus será que tá aparecendo alguém assim? Logo agora? Não é o momento pra uma relação...” Eu me senti nas nuvens, verdadeiramente muito feliz.
Alguns dias depois nos afastamos. Falávamos pouco por mensagem... não sei... eu era mais jovem, pensava que tinha mais gente pra beijar – ainda penso. Ela foi pros Estados Unidos, eu fiquei aqui.
Alguns anos depois, na terapia que pago pra falar sobre outras mulheres e outros relacionamentos, me lembro dela. Eu fui muito feliz por essas duas semanas. Tudo foi muito intenso e muito bom. Sinto falta da espontaneidade. Acho que, hoje, nessa paixão de duas semanas por uma pessoa que mal me recordo o nome, é onde eu encontro o amor mais belo que já senti. O amor mais próximo do que eu sou, ou estou me descobrindo ser.
P.S.: nunca achei que usaria um "P.S." seriamente em um texto. Acabei encontrando seu perfil em uma rede social. Ela está recém casada com um americano. Sua última foto era a organização de potes de tempero de sua nova casa. Ela tem um sorriso muito bonito. Acho que fiquei um pouco triste por mim, mas feliz por ela.
Adorei o texto! Tem um tom de memória melancólica, mas alegre... Muito bom!